Sabemos, graças ao filósofo Espinosa, que os afetos são pertinentes aos corpos e que, principalmente, são exteriores a eles, isto é, relacionais. Todo afeto sendo afeto de um corpo sobre outro que lhe é, por definição, distinto. Calhou-me hoje pensar em um tipo muito singular de afeto. O afeto por si mesmo, cujo exemplo mais prosaico e fácil de experimentar seria a autoestima. Vamos mais longe e pensemos o amor que temos pela criança que fomos, pelo idoso que seremos. Quando perseguimos um sonho apenas por ele ter embalado nossa dourada juventude, quando nos emocionamos com a inocência da nossa infância, quando nos prevenimos para garantir o conforto e os cuidados necessários na velhice... Em todas essas atitudes, demonstramos um sentimento quase espiritual pelo nosso próprio eu. Diferente da autoestima - quando me afeto pelo indivíduo que sou, bienentendu, esse corpo que tenho agora -, nos outros casos, eu me afeto por algo que não existe mais (a criança que eu fui) ou que não existe ainda (o idoso que serei). Não se trata, portanto de afeto entre corpos, mas entre meu corpo e outra coisa incorporal que compreende a totalidade da minha vida para além do tempo dos corpos, o presente. Essa outra coisa é a minha alma. Para usar uma expressão cara ao Fernando Pessoa, “Alma Profunda de Origem Divina”! É a minha alma que se comove com os sonhos do passado e que se inquieta com os males do futuro! Tais afetos incorporais, aos quais um dia pretendo dedicar um estudo meticuloso, é a prova irrefutável de que temos sim, uma alma substancial e eterna! Que a compreensão dela seja para os filósofos do futuro como um “cogito cassiânico” e que uma nova filosofia espiritual possa ser construída a partir dessa pedra fundamental.
Cassiano Ribeiro Santos
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