sábado, 31 de março de 2012

O Gigante Enamorado

 Autor:Cassiano Ribeiro Santos
                                         
Na sonífera ilha dos Atlantes, no alto das montanhas, entre dois contrafortes de granito e neve eterna, um vale miraculoso se estendia em suave declinação. Abetos e pinheiros projetavam seus galhos pelas frestas escarpadas dos paredões onde o sol da tarde arrancava cintilações de ouro e o luar, reflexos de prata.  Sob qualquer ângulo que o enquadrasse, o vale era um paraíso selvagem, com filetes d’água escorrendo dos penhascos e se evaporando antes de chegar à copa das árvores, picos pontiagudos e platôs de indefiníveis formatos. Um vapor brumoso de águas ocultas apagava ao longe os contornos finais do vale dando-lhe a feição de um mundo originário. No centro, em contornos suaves e circulares, um grande e plácido lago recebia a água doce de córregos sibilantes sob as árvores. Era o lago ALESS, majestoso espelho onde o céu virginal se coroava nos adereços da floresta espraiada em suas margens. Ali, em lisérgicos efeitos, duplicava-se o baile infantil das borboletas amarelas, os galhos mirabolantes de árvores tortuosas e mergulhões  riscavam sua face, piscando olhos circulares a varrer toda a extensão de sua água laminar. Também no lago ALESS, à noite, refletia-se a vastidão dos espaços infinitos, duplicando o inconcebível número de estrelas e enchendo de opressão o peito do viajante que o contemplasse. Era o caso do gigante Cururu, último descendente da raça dos Oldar que percorria solitário a terra virgem em reinações e folguedos. Todas as tardes, após almoçar meia dúzia de elefantes e antes de jantar um rebanho de búfalos, ele sentava no alto da montanha Sils-druin e passava horas contemplando o vale encantado e seu lago de prístinas águas. Ao longo de sua cinematográfica extensão, costumavam passar tempestades a se perderem no horizonte, resolvidas em vapores e murmurando seu desgosto... Então o sol voltava a brilhar sobre os cabritos selvagens pastando nas encostas e, já inclinado sobre uma falha nas montanhas, acender o lago com sua luz dourada. Era uma euforia no entardecer. A magia movente do vento vesperal agitava as árvores, a neve dos picos parecia se derreter na luz dourada e um cortejo de narcejas riscava curvilíneas linhas a fremir de arrepios a alma infantil do grotesco gigante. Não durava muito e o manto da noite, feito um cobertor, fazia a cama para a lua se deitar; e ela vinha embevecida no espelho d’água se embriagar em sua própria luz. Quase não se movia, fascinada com sua imagem lânguida e radiante sobre a água doce, vez ou outra vazada por um peixe de prata que saltava como um beijo antes de voltar para o fundo do lago. Cururu dava pungentes suspiros de amor quando a rainha do céu se despedia deixando o lago perfurado por uma miríade de pontos luminosos: eram as estrelas que ali cintilava seu etéreo e sutil fogo azul como se vindas de suas águas profundas e no céu projetadas. Entre elas, fechando o espetáculo da noite, nuvens de pirilampos saiam das margens, cada um pinçando seu reflexo no local exato de uma estrela, com a simultaneidade de um passe de mágica que arrancava aplausos do gigante atabalhoado. Era noite alta quando Cururu, extasiado, voltava para sua caverna no outro lado da cordilheira e nela penetrava com a retina ainda excitada de feéricos lampejos com os quais iria iluminar os cavilosos sonhos de sua alma. Uma noite, namorando o  lago ALESS, um estalo rompeu as paredes gordurosas do seu cérebro e uma idéia luminosa  invadiu sua mente, arrastando com ela sua vontade soberana de gigante que tudo pode: “Vou levar esse lago lindo para mim, ele enfeitará minha caverna e dormirei ao lado de suas imagens maravilhosas!”, pensou;. Então o gigante se aproximou com passos trovejantes e agachou-se nas margens de ALESS. Encostou seus grossos lábios no espelho mágico e, como um longo beijo de amor, sugou em poucos minutos toda a água que ali havia. Suas bochechas inflavam na exata proporção em que o vale ia ficando enxuto, deixando ver o lodo, as conchas, um barco naufragado, uma âncora enferrujada, uma inexplicável bota,... Cururu nunca se pareceu tanto com um monstro como nessa hora. Sua bochecha estava maior do que o seu próprio corpo e ele rastejava  pelo vale derrubando árvores, sulcando um desfiladeiro entre as montanhas que não resistiam ao seu peso medonho. Era noite alta quando chegou todo ferido pelas pedras à porta da sua caverna. Penetrou até o centro, feito da mais felpuda escuridão, tateou buscando os lugares já por ele conhecidos  e, tomado de reverência, despejou lentamente o conteúdo de sua pantagruélica bochecha. A água sibilou para em seguida retumbar em tonitruantes cascatas amplificadas nos adros da caverna e se perder em seu labirinto de calcário. Não demorou muito e todo o lago foi  transplantado. Com o queixo apoiado nas mãos, Cururu esperava deitado e ansioso que a agitação cessasse para transformar o escuro chão da sua caverna em um espetáculo de cores, formas e luz. Em vão esperou o luar de prata, a aurora de dedos róseos, os flamingos vermelhos e a batalha dos reflexos dourados. Entendeu enfim que todo o brilho de ALESS era um reflexo do mundo vivo que o circundava, que sua luz era inseparável dos seres que existiam ao seu lado, e não viu, na escuridão da sua alma, duas lágrimas, salgadas de egoísmo, escorrer para a imperceptível  água do lago ALESS, substância e écran de todas as suas miragens.

Fonte: http://pt.shvoong.com/books/1978926-gigante-enamorado/#ixzz1qjDQXH1B

segunda-feira, 26 de março de 2012

Homenagens a Jorge Amado em Paris

O estande do Brasil, no Salon du livre de Paris teve um espaço dedicado ao centenário do autor,Jorge Amado, celebrado este ano no mês de março.Além do estande, dois eventos ocorreram em Paris, onde Jorge Amadomorou várias vezes e por vários anos.
No dia dezessete de março, do corrente ano, as dezessete horas ,na Bibliothèque Nationale de France,  a presidente da ABL, Ana Maria Machado, falou sobre a obra de Amado, Auditorium François Mitterrand,  Galerie Jules Vernes, Hall Ouest.
No dia dezenove, a homenagem passou ao âmbito da universidade, na Sorbonne, onde as nove horas  trinta minutos , os acadêmicos Ana Maria Machado, Nélida Piñon e Sergio Paulo Rouanet falaram sobre Jorge Amado na Sorbonne .


Gabriela,Cravo e Canela

Autor:Jorge Amado
Sinopse:

Escrito em 1958, "Gabriela, Cravo e Canela" logo se tornou um sucesso mundial. Na televisão, a história se transformou numa das novelas brasileiras mais aclamadas mundo afora. No cinema, Nacib é vivido por Marcello Mastroianni, e Gabriela por Sônia Braga.

A obra é um retorno ao chamado ciclo do cacau. Ao citar o universo de coronéis, jagunços, prostitutas e trambiqueiros de calibre variado, que desenham o horizonte da sociedade cacaueira.
Na década de vinte, na então rica e pacata Ilhéus, ansiando progressos, com intensa vida noturna litorânea, entre bares e bordéis, desenrola-se o drama, que acaba por tornar-se uma explosão de folia e luz, cor, som, sexo e riso.
O romance entre o sírio Nacib e a mulata Gabriela, talvez o personagem feminino mais sedutor criado por Jorge Amado, tem como cenário os anos vinte, em plena luta pela modernização material e cultural de Ilhéus, então em franco desenvolvimento graças às exportações de cacau. 
O eixo da história é a relação delicada e complexa entre as transformações materiais e as idéias morais. Com sua sensualidade inocente, a cozinheira Gabriela não só conquista o coração de Nacib como também seduz um sem-número de homens ilheenses, colocando em xeque a férrea lei local, que exigia que a desonra do adultério feminino fosse lavada com sangue.
Ano seguinte a sua publicação,o livro ganhou  cinco prêmios,todos no no de 1959 na sua primeira Edição.Foi publicado em Portugal. É o romance de Jorge Amado com o maior número de traduções, tendo sido editado em alemão, árabe, búlgaro, catalão, chinês, coreano, dinamarquês, eslovaco, esloveno, espanhol, estoniano, finlandês, francês, georgiano, grego, hebraico, holandês, húngaro, inglês, italiano, lituano, macedônio, moldávio, norueguês, persa, polonês, romeno, russo, sueco, tcheco, turco e ucraniano.
Foi adaptado para a Televisão,Cinema, Dança e outros mais.
Cheio de uma crítica à sociedade ilheense, a própria linguagem do autor muda quando foca a atenção em Gabriela. Torna-se mais cantada, mais típica da região como é a fala de todos, deixando a leitura cada vez mais saborosa.

Ícone do Humor Brasileiro.

sílvia maria menotti 


Nada na Vida é mais certo do que a Morte.Nunca sabemos quando ela acontecerá.O fato é que o Chico não viveu os cem anos como teve vontade!Ele dizia: "não tenho medo da morte tenho pena de morrer".Parte aos oitenta anos de idade, este ser humano por excelência!O grande ícone do humor.
Estou feliz em ver tantas homenagens ao CHICO ANÍSIO,mostra o quanto era querido e respeitado no meio artístico,ele que fez um humor inteligente, genuíno.Durante anos fez nosso País sorrir! O seu legado permanecerá  por várias gerações.

O Brasil inteiro chora a sua morte.Um brasileiro que
na Terra e deixou pegadas de amor alegria.O Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, conhecido como Chico Anísio,foi um humorista, ator,dublador, escritor, compositor e pintor brasileiro, notório por seus inúmeros quadros e programas humorísticos na Rede Globo,durante quarenta anos.
Vá em Paz Chico na certeza de que sua missão foi cumprida.A você Chico,uma caminhada de Luz, e pelos sofrimentos dos últimos dias vivido na Terra, com certeza estará num lugar muito lindo
aguardando a ressurreição em Cristo Jesus.
Condolências a família do Chico Anísio.


  24/03/2012

quinta-feira, 22 de março de 2012

A Voz da Lua

 Cassiano Ribeiro Santos



Tão diáfano estava o céu que parecia uma invertida taça de cristal. A lua brilhava no meio como uma gota de ouro e um pingo de lua, caindo pela janela, encheu um berço construído por um velho carpinteiro. Quando este acordou para vendê-lo no mercado encontrou dentro do berço uma criança sorrindo e brilhando mais que a lua cheia. A primeira palavra que ela pronunciou fora: lua, lua mas o velho ouvia mal e entendeu: Lia, Lia, e com esse nome foi a menina adotada sem mais rodeios. Os anos passaram e tantas luas brilharam sobre o seu rosto que célebre tornou-se a sua beleza. As meninas da sua idade a evitaram, pois ela ofuscava a todas com o seu semblante prodigioso. Vivia sozinha e sua única companhia era a lua que ela imaginava ser uma deusa; para ela Lia enviava seus inocentes pensamentos pela janela aberta sobre o leito: Você é tão bonita, lua! Tão rodeada de estrelas! Eu não tenho nenhuma amiga para brincar comigo! Será que sou muito feia?... Um espelho! Porque não pensei nisso antes? Eu preciso de um espelho. Pedirei um espelho ao meu pai no dia do meu aniversário. Obrigada, minha amiga, pelo conselhol E dormia com a expectativa de quem em breve desvelaria um segredo. No dia do seu aniversário o pai saíra cedo e só no final da tarde pôde Lia falar com ele:

 ‑ Papai! Hoje é o meu aniversário e eu quero um espelho de presente. Você compra para mim um espelho?‑ Mas o velho carpinteiro, cada dia mais surdo, confundia os seus desejos:
 ‑ Joelho? Você tem joelhos lindos, minha filha!
 - ESPELHO!
 - Artelho? Os teus são perfeitosl ‑ Disse tocando-lhe no calcanhar.
 - ESPELHO! ESPELHO!
 - Um coelho!!! Como é que você adivinhou? Foi justamente um coelho que eu comprei para você no mercado. Que bom que acertei o presente da minha princesa! Leve-o para o seu quarto; vista uma roupa bonita e desça para soprar as velinhas do bolo.
 Uma nuvem escura ofuscava o brilho do seu rosto. Ninguém mais lhe daria presentes. Ela não gostava de coelhos. Tinham orelhas tão ridículas! Só lhe restava agora a sua amiga lua que brilhava no céu redonda e cheia. Lia pulou a janela e saiu em busca da sua amiga levando no rosto o eclipse de uma tristeza. Subiu uma pequena montanha e a lua continuava longe no céu. Subiu a segunda e a terceira; na montanha mais alta Lia se encontrou exausta e sua amiga flutuava distante sobre sua cabeça.

‑ Fale comigo! - Gritou Lia para a lua.
‑ Fale comigo! ‑ Ressoou o eco nas montanhas dormentes.
 ‑ Hoje é o meu aniversário! ‑ Disse Lia.
‑ Hoje é o meu aniversário! ‑ Disse o eco que Lia ouvia como sendo a voz da lua.
‑ Que presente você quer ganhar?
‑ Que presente você quer ganhar?
‑ Um espelho para saber se sou bonita!
‑ Um espelho para saber se sou bonita!

O rosto de Lia, brilhante de alegria, fora minguando pouco a pouco. Onde iria ela encontrar um espelho para a sua amiga? Passou horas procurando na floresta um impossível espelho para a lua! Vencida pelo cansaço ela sentou-se sobre uma pedra e começou a chorar. Chorava em pequenos espasmos com lagrimazinhas correndo no seu rosto de fada. Logo soluçava alto abrindo na clareira um imenso berreiro. As lágrimas jorraram como fontes enchendo córregos e ribeiros. Em breve formou-se em volta de Lia um imenso lago, um mar de lágrimas cuja superfície serena brilhava como um espelho. Em volta do lago, muitas crianças da aldeia, acordadas pelo pranto sem freios, se despiam da inveja mesquinha e emulavam-se de tristeza. No meio refletia-se a imagem de um rosto dourado, modelo perpétuo e inatingível de todas as belezas. Em torno do rosto um enxame de estrelas piscavam, eternas amigas e companheiras! _Como sou bonita! ‑ Exclamou Lia ao ver a imagem do seu rosto. _ Como sou bonita! ‑ Exclamou a lua em um eco gigantesco. Até hoje ninguém sabe se era o rosto de Lia ou a face da lua quem se refletia naquele espelho!

quarta-feira, 21 de março de 2012

O Filme :Cheque Mate

Hoje gostaria de falar,sobre o  filme Cheque Mate, do Cassiano Ribeiro Santos, um curta com excelente roteiro,ótima direção e atuação muito boa dos atores.Um filme contemplado, pela Secretaria  de Cultura do Estado da Bahia.
Trata-se da  história , da morte dum  Coronel do interior da Bahia, num jocoso e macabro episódio,com conotação rodriguiana .O cineasta se inspirou  no seu pai a quem dedicou o filme.
Durante uns dez minutos temos a nossa atenção  centrada no episódio que apesar de macabro, tem os seus momentos hilariantes.Gostei muito e indico para que assistam e deixem aqui os Comentários.
Este filme o Produtor dedicou ao seu pai;Nivaldo Torres Santos
 Filme:Cheque Mate
 Roteiro:Cassiano Ribeiro Santos
 Produção e Argumentos:Cassiano Ribeiro Santos
 Direção de Arte :Carolina Silva
 Direção de Fotografia: Rogério Sampaio 
 Edital:   Carlos Vasconcelos
 http://youtu.be/mrda3QddlOI

segunda-feira, 19 de março de 2012

A MÃE DE TODAS AS BATALHAS!


Autor:Cassiano Ribeiro Santos

Proibido de fazer a guerra durante o ano de luto pela morte do seu piedoso pai, o venturoso emir da Pérsia, Al Rashid, contemplava as serenas areias do deserto, símbolo da monotonia e do tédio, quando a brisa, que movimentava a sombra das palmeiras nos telhados de Bassorá, agitou seu espírito com uma luminosa idéia: povoar com cenas de batalhas os dois muros frontais do corredor do palácio e antecipar a visão das ardentes e futuras tardes de guerra. O vizir proclamou em todo o Oriente as regras de um concurso que, para atrair os artistas de intrépido gênio e evitar artesãos aventureiros, prometia ao vencedor um pedaço do reino, escravos e rebanhos de carneiros; aos derrotados, uma fria lâmina separaria do corpo a presunçosa cabeça. Um mês depois, sem saber se houve testes preliminares e sangue derramado, o impetuoso Al Rashid conheceu dois candidatos dispostos a expressar a essência da guerra nas paredes que ligavam seus aposentos ao salão onde reinava: Anáfis, um mouro egípcio de olhos irisados, que afirmava conhecer o segredo de todas as cores; e Efraim, um judeu sefardirta que, exceto na reverência ao emir, permanecia silencioso e aparentemente apreensivo. A cada um fora destinado um dos muros frontais e determinado um prazo comum para a conclusão dos trabalhos. Al Rashid se retira e isola esta parte do palácio. Duas longas cortinas separam os muros da competição e a porfia dos artífices rompe o silencio solene do palácio. Nove semanas depois, precisamente no ramadan, quando o crepúsculo banha de vermelho a fina lua de cimitarra – um fatídico símbolo do fúnebre desfecho – o adorado emir surge no átrio com um séqüito de belas escravas para julgar a excelência dos pintores. As janelas se abrem, os súditos se ajoelham e entre eles está o judeu que implora ser o último a revelar a sua obra. O destemido egípcio desvela as cortinas com um gesto cinematográfico. O mural pintado por ele justificava o estupor e o silêncio que se seguiu diante de imagens tão eloqüentes e copiosas: rubros cavalos, entre nuvens de ouro em pó, conduzindo míticos arqueiros, flechas a brotarem como rosas no peito dos feridos, peleja de espadas, faces extáticas e leopardos dantescos no turbilhão de guerra e areia. A possibilidade quase palpável das figuras retomarem o movimento congelado pela cerimônia inesperada e saltarem assanhados no corredor estreito explicava o frêmito, o medo e a incerteza! Arrebatado pela fantasmagórica beleza, Al Rashid parece desmaiar e pede, quase sem voz, que o judeu revele também o seu afresco.
Corre-se o manto e o que vemos? Um cristalino espelho a cobrir toda a parede refletindo a obra do rival e explicando o ócio de suas tardes! Um murmúrio ressoa pela multidão. O vizir, homem de espírito lógico, comenta com naturalidade a morte de um artista insensato e estrangeiro; um empalhador, íntimo do emir, pede a cabeça da vítima para ornamento no museu, mas o príncipe dos príncipes se mantém em silencio, traçando no corredor reflexivos e vagarosos passeios. Após um longo silencio, deu o seguinte veredicto: _ “ O encanto da sua arte, sublime egípcio, leva-me a crer que todas as batalhas do planeta foram travadas pelo direito de estarem representadas aqui no seu afresco! O arrebatamento que se seguiu a esta cena me fez sentir, nas primícias de um desmaio, minha alma se transportar para a glória deste cenário e agora entendo porque nos tornamos seres alados diante da suprema beleza! Contudo, núbil magistral, o meu coração pressentiu também a tristeza e o temor desta cena talvez nunca ilustrar os meus dias de guerreiro, de ser eu excluído para sempre da essência da guerra e da beleza! Foi este temorque se extinguiu nos passeios que dei entre as duas paredes; compreendi então a sutil intenção do artista Hebreu: encontrei no sólido espelho frontal não somente a duplicação dessa batalha, mas também a doce ilusão de me ver pisar onipotente suas emblemáticas areias. Não podendo guerrear por esses meses, privado de imaginação que sou, posso agora com um pequeno esforço me sentir um verdadeiro guerreiro no seio da mãe de todas as batalhas! ” Voltou-se então para a multidão e concluiu: A VITÓRIA É DO JUDEU!

AMPHIBETESES KALLÓS


Autor:Cassiano Ribeiro Santos

Embevecido pelo sucesso de sua Obra-mor, Helena de Tróia, para cujo quadro escolhera as cinco moças mais belas de Atenas como modelo, retirando de cada uma os mais belos atributos (fiel à lenda de que nenhuma mulher viva se comparava com Helena), o pintor Zêuxis desafiava todo pintor cujo talento ousasse rivalizar com o seu. Em um destes desafios – chamados de Amphibeteses Kallós - ao pintor Parrásio, combinaram que cada um pintaria uma tela que seria submetida ao júri popular na ágora do mercado. Assim fizeram. Pintaram sua telas magistrais e as perfilaram, cobertas por uma cortina e cercadas de curiosos. Confiante, Zêuxis tratou de abrir a cortina da sua obra e descortinar o seu gênio pictórico. Uma epifania! Cachos de uva pintados com tamanho realismo, vivacidade e perfeição que, da copa das árvores, vários pássaros mergulharam sobre a tela, bicando-a em frenesi, tentando colher os sumarentos e mimosos bagos dos cachos ali simulados. Um frisson percorreu a multidão, sempre disposta a ver sinais divinos em todos os fenômenos. Zêuxis se sentiu um semideus e, quase piedosamente, pediu à Parrásio que descortinasse o seu arremedo de pintura. Parrásio permaneceu imóvel, talvez temendo se comparar com tão gigantesco pintor! Zêuxis insistiu e, percebendo que seu desafiante não tinha coragem, correu ele mesmo para descortinar o quadro! Seus dedos, por alguns segundos, tatearam em vão, até perceberem que ali não havia cortina nenhuma e sim uma cortina pintada, magnificamente intocada pelo vento que, junto ao silêncio das árvores e da plateia, pareciam reverenciar tão sublime eikasia!
Envergonhado e abatido, Zêuxis teve a grandeza de reconhecer a vitória do oponente, pois, enquanto ele enganou os pássaros, Parrásio havia enganado ao próprio e autointitulado Pintor-mor da Grécia!

Íntegra da Palestra

Íntegra da palestra do moçambicano Mia Couto (foto) em homenagem a Jorge Amado, lida em São Paulo no dia 25 de Fevereiro de 2012
 Mia Couto

Eu venho de muito longe e trago aquilo que eu acredito ser uma mensagem partilhada pelos meus colegas escritores de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe. A mensagem é a seguinte: Jorge Amado foi o escritor que maior influência teve na gênese da literatura dos países africanos que falam português.

A nossa dívida literária com o Brasil começa há séculos, quando Gregório de Mattos e Tomaz Gonzaga ajudaram a criar os primeiros núcleos literários em Angola e Moçambique. Mas esses níveis de influência foram restritos e não se podem comparar com as marcas profundas e duradouras deixadas pelo baiano.

Deve ser dito (como uma confissão à margem) que Jorge Amado fez pela projeção da nação brasileira mais do que todas as instituições governamentais juntas. Não se trata de ajuizar o trabalho dessas instituições, mas apenas de reconhecer o imenso poder da literatura. Nesta sala, estão outros que igualmente engrandeceram o Brasil e criaram pontes com o resto do mundo. Falo, é claro, de Chico Buarque e Caetano Veloso. Para Chico e Caetano, vai a imensa gratidão dos nossos países que encontraram luz e inspiração na vossa música, na vossa poesia. Para Alberto Costa e Silva vai o nosso agradecimento pelo empenho sério no estudo da realidade histórica do nosso continente.

Nas décadas de 50, 60 e 70, os livros de Jorge cruzaram o Atlântico e causaram um impacto extraordinário no nosso imaginário coletivo. É preciso dizer que o escritor baiano não viajava sozinho: com ele chegavam Manuel Bandeira, Lins do Rego, Jorge de Lima, Erico Veríssimo, Rachel de Queiroz, Drummond de Andrade, João Cabral Melo e Neto e tantos, tantos outros.

Em minha casa, meu pai - que era e é poeta - deu o nome de Jorge a um filho e de Amado a um outro. Apenas eu escapei dessa nomeação referencial. Recordo que, na minha família, a paixão brasileira se repartia entre Graciliano Ramos e Jorge Amado. Mas não havia disputa: Graciliano revelava o osso e a pedra da nação brasileira. Amado exaltava a carne e a festa desse mesmo Brasil.

Neste breve depoimento, eu gostaria de viajar em redor da seguinte interrogação: por que este absoluto fascínio por Jorge Amado, por que esta adesão imediata e duradoura?

É sobre algumas dessas razões do amor por Amado que eu gostaria de falar aqui. É evidente que a primeira razão é literária, e reside inteiramente na qualidade do texto do baiano. Eu acho que o maior inimigo do escritor pode ser a própria literatura. Pior que não escrever um livro, é escrevê-lo demasiadamente. Jorge Amado soube tratar a literatura na dose certa, e soube permanecer, para além do texto, um exímio contador de histórias e um notável criador de personagens. Recordo o espanto de Adélia Prado que, após a edição dos seus primeiros versos confessou: “Eu fiz um livro e, meu Deus, não perdi a poesia...” Também Jorge escreveu sem deixar nunca de ser um poeta do romance. Este era um dos segredos do seu fascínio: a sua artificiosa naturalidade, a sua elaborada espontaneidade.

Hoje, ao reler os seus livros, ressalta esse tom de conversa intíma, uma conversa à sombra de uma varanda que começa em Salvador da Bahia e se estende para além do Atlântico. Nesse narrar fluído e espreguiçado, Jorge vai desfiando prosa e os seus personagens saltam da página para a nossa vida cotidiana.

O escritor Gabriel Mariano de Cabo Verde escreveu o seguinte: “Para mim, a descoberta de Amado foi um alumbramento porque eu lia os seus livros e via a minha terra. E quando encontrei Quincas Berro d’Água eu o via na Ilha de São Vicente, na minha rua de Passá Sabe.”

Essa familiaridade exisitencial foi, certamente, um dos motivos do fascínio nos nossos países. Seus personagens eram vizinhos não de um lugar, mas da nossa própria vida. Gente pobre, gente com os nossos nomes, gente com as nossas raças passeavam pelas páginas do autor brasileiro. Ali estavam os nossos malandros, ali estavam os terreiros onde falamos com os deuses, ali estava o cheiro da nossa comida, ali estava a sensualidade e o perfume das nossas mulheres. No fundo, Jorge Amado nos fazia regressar a nós mesmos.

Em Angola, o poeta Mario António e o cantor Ruy Mingas compuseram uma canção que dizia: Quando li Jubiabá/me acreditei Antônio Balduíno./Meu Primo, que nunca o leu/ficou Zeca Camarão. E era esse o sentimento: António Balduino já morava em Maputo e em Luanda antes de viver como personagem literário. O mesmo sucedia com Vadinho, com Guma, com Pedro Bala, com Tieta, com Dona Flor e Gabriela e com tantos os outros fantásticos personagens.

Jorge não escrevia livros, ele escrevia um país. E não era apenas um autor que nos chegava. Era um Brasil todo inteiro que regressava à África. Havia pois uma outra nação que era longínqua mas não nos era exterior. E nós precisávamos desse Brasil como quem carece de um sonho que nunca antes soubéramos ter. Podia ser um Brasil tipificado e mistificado, mas era um espaço mágico onde nos renasciam os criadores de histórias e produtores de felicidade.

Descobríamos essa nação num momento histórico em que nos faltava ser nação. O Brasil - tão cheio de África, tão cheio da nossa língua e da nossa religiosidade - nos entregava essa margem que nos faltava para sermos rio.

Falei de razões literárias e outras quase ontológicas que ajudam a explicar por que Jorge é tão Amado nos países africanos. Mas existem outros motivos, talvez mais circunstanciais.

Nós vivíamos sob um regime de ditadura colonial. As obras de Jorge Amado eram objeto de interdição. Livrarias foram fechadas e editores foram perseguidos por divulgarem essas obras. O encontro com o nosso irmão brasileiro surgia, pois, com épico sabor da afronta e da clandestinidade.

A circunstância de partilharmos os mesmos subterrâneos da liberdade também contribuiu para a mística da escrita e do escritor. O angolano Luandino Vieira, que foi condenado a 14 anos de prisão no Campo de Concentração do Tarrafal, em 1964, fez passar para além das grades uma carta em que pedia o seguinte: “Enviem meu manuscrito ao Jorge Amado para ver se ele consegue publicar lá no Brasil...”

Na realidade, os poetas nacionalistas moçambicanos e angolanos ergueram Amado como uma bandeira. Há um poema da nossa Noêmia de Sousa que se chama Poema de João, escrito em 1949 e que começa assim:

João era jovem como nós/João tinha os olhos despertos,/As mãos estendidas para a frente,/A cabeça projetada para amanhã,/João amava os livros que tinham alma e carne/João amava a poesia de Jorge Amado

E há, ainda, outra razão que poderíamos chamar de linguística. No outro lado do mundo, se revelava a possibilidade de um outro lado da nossa língua.

Na altura, nós carecíamos de um português sem Portugal, de um idioma que, sendo do Outro, nos ajudasse a encontrar uma identidade própria. Até se dar o encontro com o português brasileiro, nós falávamos uma língua que não nos falava. E ter uma língua assim, apenas por metade, é um outro modo de viver calado. Jorge Amado e os brasileiros nos devolviam a fala, num outro português, mais açucarado, mais dançável, mais a jeito de ser nosso.

O poeta maior de Moçambique, chamado José Craveirinha, disse o seguinte numa entrevista: “Eu devia ter nascido no Brasil. Porque o Brasil teve uma influência tão grande que, em menino eu cheguei a jogar futebol com o Fausto, o Leônidas da Silva, o Pelé. Mas nós éramos obrigados a passar pelos autores clássicos de Portugal. Numa dada altura, porém, nós nos libertamos com a ajuda dos brasileiros. E toda a nossa literatura passou a ser um reflexo da Literatura Brasileira. Quando chegou o Jorge Amado, então, nós tínhamos chegado à nossa própria casa.”

Craveirinha falava dessa grande dádiva que é podermos sonhar em casa e fazer do sonho uma casa. Foi isso que Jorge Amado nos deu. E foi isso que fez Amado ser nosso, africano, e nos fez, a nós, sermos brasileiros. Por ter convertido o Brasil numa casa feita para sonhar, por ter convertido a sua vida em infinitas vidas, nós te agradecemos companheiro Jorge. Muito obrigado.”


(*) O escritor Antonio Emílio Leite Couto, Mia Couto, nascido em 1955 na cidade de Beira, em Moçambique, é poeta, contista, cronista e romancista, autor de livros como Terra Sonâmbula, O Último Vôo do Flamingo e O Outro Pé da Sereia, entre outros

Terra Sonambula

Autor: Mia Couto
Editora:Companhia das Letras
Sinopse :


A história de Muidinga, um rapaz sem memória em busca da sua identidade no meio de uma terra devastada pela guerra e Tuahir, um velho que o acolhe e protege, acompanhando-o nessa demanda. Grande parte da acção desenrola-se no interior de um autocarro abandonado, incendiado, ainda com os corpos carbonizados dos passageiros e que serve de abrigo para Muidinga e Tuahir. Junto do veículo, o menino encontra mais um cadáver e uma mala com cadernos, os diários de Kindzu. São as histórias desses cadernos que noite após noite o rapaz se entretem a ler em voz alta e são essas histórias que nos são contadas em flashback, como uma acção paralela à viagem dos dois protagonistas.
O romance, de um lirismo incontornável, é como um poema em prosa. A linguagem é de uma sensibilidade ímpar, com cada frase cuidadosamente construída. Descrições detalhadas de uma violência brutal com recurso a um realismo mágico e à narrativa tradicional africana. Usam-se termos regionais como machimbombo (autocarro) ou maningue (demasiado) que se vão entranhando e ajudando a construir a identidade moçambicana, que enriquecem o nosso vocabulário ao mesmo tempo que nos dão a conhecer a riqueza cultural daquele país e nos transportam no espaço e no tempo.
Uma história de sobrevivência, destruição e reconstrução de uma nação assolada pela guerra.

Antes De Nascer O Mundo

Autor: Couto Mia
Editora:Companhia Das Letras
Sinopse:


Jerusalém, ermo encravado na savana, em Moçambique, abriga cinco almas apartadas das gentes e cidades do mundo. Ali, ensaiam um arremedo de vida - Silvestre e seus dois filhos, Mwanito e Ntunzi, mais o Tio Aproximado e o serviçal Zacaria. O passado para eles é pura negação recortada em torno da figura da mãe morta em circunstâncias misteriosas. E o futuro se afigura inexistente. Silvestre afiança aos filhos e ao criado que o mundo acabou e que a mulher - qualquer mulher - é a desgraça dos homens. Mas um belo dia os donos do mundo voltarão para reivindicar a terra de Jesusalém. E não só isso - uma bela mulher também virá para agitar a inércia dos dias solitários daqueles homens. 

O Pequeno Príncipe

  O princepezinho

... Julgava-me muito rico por ter uma flor única no mundo e, afinal só tenho uma rosa vulgar... Foi então que apareceu uma raposa .
- Olá, bom dia! disse a raposa.
- Olá, bom dia! - Respondeu delicadamente o princepezinho...
-Anda brincar comigo - pediu o princepezinho. Estou tão triste...
- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa. - Ainda ninguém me cativou...
Andas á procura de galinhas? (diz a raposa)
Não... Ando á procura de amigos. O que é que "cativar" quer dizer?
... Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
Laços?
Sim, laços - disse a raposa. - ...
Eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo e eu serei para ti, única no mundo...
 Tenho uma vida terrivelmente monótona...
Mas se tu me cativares, a minha vida fica cheia se Sol.
Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? ... não me fazem lembrar de nada. É uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então quando eu estiver cativada por ti, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti...
- Só conhecemos as coisas que cativamos - disse a raposa. - Os homens, agora já não tem tempo para conhecer nada. Compram as coisas feitas nos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens já não tem amigos. Se queres um amigo, cativa-me!
E o que é preciso fazer? - Perguntou o princepezinho.
- É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada . A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas todos os dias te podes sentar mais perto...
Se vieres sempre ás quatro horas, ás três já eu começo a ser feliz...
Foi assim que o princepesinho cativou a raposa. E quando chegou a hora da despedida:
- Ai! - exclamou a raposa - Ai que me vou pôr a chorar...
... Então não ganhaste nada com isso!
- Ai isso é que ganhei! - disse a raposa. - Por causa da cor do trigo...
Depois acrescentou:
- Anda vai ver outra vez as rosas. Vais perceber que a tua é única no mundo.
O Pequeno Príncipe lá foi... - vocês não são nada disse-lhes ele. - Não há ninguém preso a vocês... - não se pode morrer por vocês...
... A minha rosa sozinha. vale mais do que vocês todas juntar, porque foi a ela que eu reguei, que eu abriguei... Porque foi a ela que eu ouvi queixar-se, gabar-se e até, ás vezes calar-se. Porque ela é a minha rosa.
E então voltou para ao pé da raposa e disse:
- Adeus...
- Adeus - disse a raposa. - vou-te contar o tal segredo. É muito simples:
Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos...
Foi o tempo que tu perdes-te com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa. Mas tu não te deves esquecer dela.
Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que está preso a ti. Tu és responsável pela tua rosa...


Antoine De Saint-Exupery

domingo, 18 de março de 2012

Uma Tela para um Artista

 Para Cassiano Ribeiro Santos a primeira obra surrealista do René Magritte,  consideradoo ponto de partida "oficial" de sua carreira, apontado tanto por críticos como pelo próprio artista,  o quadro O Jóquei Perdido. "Nele já podemos ver inúmeras marcas registradas de Magritte, da tela como espaço teatral (marcado pela cortina) à combinação inusitada de componentes. Os pilares que aparecem no quadro tornar-se-ão um dos elementos recorrentes na obra de Magritte (assim como as esferas bipartidas e os papéis recortados)"





sábado, 17 de março de 2012

A Flor Do Tempo

 Cassiano Ribeiro Santos



No livro da vida, obra aberta

Somos o papel, o estilo. São pétalas de rosa -
Quando sonhamos – as páginas vertiginosas
Espinhos, quando a vigília nos desperta.

As tardes iguais, feitas de medo e frio
São ásperos fascículos “in folio”
Suaves, porém, se lidas no escólio,
Dos sonhos que passam como um rio.

Vai se desfazendo a cada dia
Nas águas do oblívio e da agonia
O livro de sina venturosa.

Pétalas que o tempo, em lenta alquimia
Destila seivas, nutrindo com alegria
A vida que dos sonhos é a Rosa!

sexta-feira, 16 de março de 2012

Admirável escritor!

Homenageio neste Blog, o nobre escritor,teólogo e sertanista        Cassiano Ribeiro Santos.
O que posso dizer sobre Cassiano?Palavras são insuficientes, para descrever a importância desse  ser iluminado,admirável sábio,de uma inteligência digna de reverencia.
Nesta  homenagem quero,expressar a minha  admiração a  sua  rica obra literária que tem somado experiências e enriquecido a tantos quantos, a lê.
Sei que tudo nasce, se extingue e renasce por força da energia  e que neste nascer e renascer  Cassiano Ribeiro Santos, na sua plenitude continuará trazendo a luz novas histórias, novos conceitos,novas esperanças.Vivemos sob o mesmo céu, onde se alarga o horizonte,caminhando, num caminho íngreme, onde os desafios nos consome,num mundo de incertezas e sofrimentos em  momentos apocalípticos da História da Humanidade,onde o convívio diário, é desafiador!
Aqui estão publicados ótimos textos do  autor,  e exigido o respeito aos  direitos autorais.
Obrigada por ter concedido-me a confiança de expor a sua obra literária e por ser o criador do nome deste Blog.
Silvia Maria

terça-feira, 13 de março de 2012






Nos modernos filmes de science-fiction, tais como Matrix, A Origem, Contra o Tempo e outros blockbusters americanos, vem surgindo uma nova modalidade de empatia estética (Einfühlung, termo cunhado por Theodor Lipps para explicar a identificação do espectador com a personagem de uma obra, para além do dinamismo aristotélico). Essa nova modalidade ocorre quando um protagonista, após um implante cerebral ou outro procedimento fabuloso, acorda subitamente no corpo de outra pessoa, ou no cérebro, ou mesmo em outra época desconhecida. Sem saber absolutamente nada do que se passa ao seu redor, sem entender o porquê de estar ali ou se está sonhando acordado, esse protagonista assume o papel do próprio espectador, que também não faz a menor idéia do que vai acontecer em seguida. Enquanto nos filmes de ação tradicionais, a personagem é sempre temperada e localizada, por mais insólita que seja a situação em que ela se encontra, nos transapoints do cinema moderno, ela não possui mais o eixo cartesiano da normalidade circunstancial. Torna-se uma personagem esquizofrênica e nos arrasta juntos no descobrimento de uma nova dimensão, no prazeroso exercício de por ordem e dar sentido ao mundo. Lamentavelmente, por força das exigências do entretenimento, essas situações de abdução ainda são estúpidas e violentas, banhadas no sangue estupefaciente do heroísmo malsão, mas podemos esperar que, em breve, artistas mais refinados possam explorar esses recursos e nos transportar para novos sonhos cinematográficos como essas fantásticas e proustianas experiências em que acordamos de manhã sem saber onde estamos, quem somos, em que tempo vivemos; experiência de um vazio intenso que pode muito bem ser preenchidas pela fantasia e vertigem desse mágico e empático écran: o cinema!
Cassiano Ribeiro Santos
Era outono de 1986. Com 23 anos, eu desembarcava no Rio de Janeiro para doze anos de aventuras inesquecíveis que não caberiam em nenhum livro. Em um cinema de Copacabana, já decadente e todo em veludo vermelho, piso e poltronas, fui ver um belo filme de James Ivory, um cineasta inglês vigoroso e romântico. Uma Janela para o Amor, o nome do filme. Nele, uma linda garota contava, em um luminoso jardim, seus sonhos de revolucionária, seus projetos de se alistar no movimento operário feminino, discursar para as multidões e conquistar os direitos que todas as mulheres deveriam compartilhar em igualdade com os homens. Seu namorado a escuta atentamente. Então, após ela abrir seu coração, ele contra argumenta, segurando-a forte pelos braços, olhando em seus olhos e dizendo-lhe:
_ Você não foi feita para a política, para as multidões. Você foi feita para a intimidade, para o amor.. Você foi feita para mim! – E sapeca-lhe um beijo arrematador (e arrebatador aussi).
Eu fiquei bastante empolgado com essa cena e fico pensando como, cínico feito um verdureiro vigarista, usei por tantas vezes esse chaveco nas estudantes que conheci nos anos seguintes. Em quase todas, eu caprichava no beijo como se estivesse em um filme. Talvez, de fato, estivesse!

Cassiano Ribeiro Santos

Nostalgia


A chuva que pela vidraça eu via
Em vapores perdida, no passado, nas colinas,
Em cântaros sobre as pedras, são neblinas
Onde o espaço se dissolve na melancolia

Da min’alma que no fluxo do tempo desce
Como um barco de papel sem destino
E nas dobras desse brinquedo de menino
Foge o passado, que inteiro, coalesce.

As folhas da memória são as velas, navego
Contra o tempo e a essa ânsia me entrego
De voltar à estival manhã da origem //                                 
Mas de infinitas chuvas é feita a minha história
De vapores e neblinas são as velas da memória
 E naufrago no oblívio e na vertigem!
 Cassiano Ribeiro Santos


segunda-feira, 12 de março de 2012

Per Amore - Zizi Possi (Tradução)

Buricano Moan

Autor:Cassiano Ribeiro


It was a sunday afternoon. A storm moved away from the horizon,resumed on steam and whispering with noun. I was waiting for someone. She. The time runned out fast and she doesn't show up. The afternoon was driving to an end and the capricious rain returned. There was a garden in front of me. The formidable roses from the two rosebushes were sacrificed to the cold wind. The raindrops were heavily falling on the roses ripping of his painfull petals. I thought, I felt, that she will not show up in our date. A tear cut out my  soul. I thought:
THE STORM'S ENTRAILS /
MAKES ME CRY /
THE ROSE'S PETALS!
                                          THE GREEN FIELDS OF MY HOME!
                                              CassianoRibeiro Santos






It was a winter's night that the angel took me by the shoulders and led me over the blue clouds, to a long and desolate plain that seemed endless. From the top you could see was a huge amount of scattered men, monotonous mowing the stalks of vegetation - wheat, it seemed - to dominate the entire visible extent. Beams formed bigger and always ran wild in search of more stalks to harvest. A leisurely golden ray of sun on the horizon indicated an evening night which would soon devour him.
Some men, most of them, began to lose the harvested stems, in his eagerness to collect others. I saw some already busted, taking care to build them a shelter to protect them from cold harsh blowing from the dark side, the cold night approaching. They were all building their shelters when the night suddenly collapsed. Some began to build early, offering little grass and shivering with cold in their thin cocoons, others, reaping more than they could carry, started building very late and were collected by cold air before they are ready shelters, and many still, losing more than they could on the way together, driven by hunger and despair, had not found enough material to build. Few were those who joined and learned enough time to build the shelter of their souls.
The Angel of the Lord then explained to me that vision. The cutted down branches were the experience we collect in life. She will serve as padding of wisdom to take shelter from the elements of old age, and provide warmth we find in the memory of the magic moments that we live. Many of us, anxious to live more and more, leave our living experience forgotten in memory, without thinking, without knowing that no memory is eternal and that one day everything is lost without the zeal of reflection. I thought of Socrates: "A not reflected life is not worth living!" But I was afraid to quote a pagan near the Angel. Other men, too early, without sufficient grounds, and soon, indulge in the past, content with their meager and limited lives, being run over by the future that comes with its overwhelming changes. Wise are those who live long enough to know human nature and knows the right time to stop at a corner, building a palace with reminiscences and in it, on reflections castle and the joy of remember everything, taste the delicious wine of wisdom ! I tried to look into the face of the Angel but its splendor began to blind me. I woke with the sun, through a crack in the roof, shining in my face the same sun that germinate the wheat and warms our lives. I decided that very day to drop my dissolute life of croupier in illegal casinos and since then I have dedicated myself to the memoir writing life!
I'm putting together my wheat!

(Tradução de Silvia Maria Menotti)

Simply Red Stars legendado

CARTOGRAFIAS SENTIMENTAIS
Por: Cassiano Ribeiro Santos


Virginia Woolf dizia que os discursos tornavam-se empolados quando as práticas de amor dos homens diminuíam de intensidade. Eis aí um bom exemplo: LÍLIAN - Aquela noite fora um dos raros momentos de privacidade entre nós. Estávamos sozinhos na varanda da sua casa e eu ouvia extasiado ela discorrer sobre temas complicados com a graça típica das mulheres espirituosas e superficiais. Eu estava apaixonado e talvez por isso inclinado a ouvir a sua voz como um feitiço e suas palavras como um oráculo pleno de sentidos misteriosos. Ela sabia da minha paixão declarada em poemas plagiados e cartas afetadas mas, afirmando tudo não passar de uma efêmera fascinação, tratava-me como um admirador inofensivo e como um critério para a sua vaidade. Sua serenidade emocional, sua habilidade em lidar com os sentimentos e a minha tímida passividade conferiam a suas opiniões uma sagacidade psicológica quando o assunto em questão era o meu revelado amor. Ela quase me convencia estar eu equivocado sobre o que verdadeiramente sentia; em outros assuntos ela não era tão dominante assim. Nessa noite o tema era mais prosaico, o riso, e eu lhe falava dos meus comediantes preferidos. Disse-lhe não gostar muito de Charles Chaplin, de haver algo de maldoso em seu olhar e muita previsibilidade na desenvoltura do personagem “Carlitos”. Ela contestou-me dizendo: _ Mas você gostava dele quando criança! _ Sim. Gostava muito. _ Algo então lhe ocorreu bloqueando a espontaneidade do seu riso. Ainda hoje as crianças gostam muito dele. _ Sim, Lílian – respondi quase revoltado por ela tentar psicologizar o meu senso de humor – algo me ocorreu mas não foi nenhum bloqueio. Eu mudei. As pessoas mudam. _ Mudam parcialmente. A criança que sorria com Carlitos ainda convive contigo e é hoje uma criança triste. _Não! A mudança pode ser total. _Uma metamorfose? – Perguntou ela com ironia. _ Talvez. O corpo substitui todas as suas células em um determinado intervalo de tempo, a nossa fisionomia pode se tornar irreconhecível; até mesmo o cérebro, antes considerado imutável, apresenta uma grande plasticidade se for estimulado... _E a memória? Ela é o castelo inexpugnável da nossa identidade e perdê-la significa enlouquecer. A metamorfose total que você defende pode ser o caminho sem volta da loucura. _Devagar em suas conclusões! Eu posso ter uma memória curta, não me lembrar de como eu era antes de uma longa mudança e nem por isso me tornar um “desmiolado”. Essa identidade que você supõe ser o estofo da nossa razão não passa de uma grande ilusão, pois as ilusões são intrínsecas à própria razão, já diziam os velhos kantianos. Quem pode me garantir que eu fui mesmo a criança que hoje penso ter sido? Assim como apagamos os traumas da nossa memória, podemos fantasiar um pouco sem contudo cruzar as fronteiras do patológico.
A nossa tendência em imaginar a infância como uma fase paradisíaca, - quando um exame mais atento revela ser a infância uma idade plena de problemas, dores e sofrimentos – expõe um pouco essa plasticidade criativa onde se misturam lembranças e fantasias... _É possível. – Lílian parecia subitamente mergulhada em tristes recordações – Sempre imaginei a minha infância como feita de dias e noites encantadas mas também recordo-me de uma constante fantasia. Antes de dormir, quando bem menina, ficava na cama sonhando com uma máquina fantástica onde houvesse um único botão: você o apertava e PLIM!... Morria. Sem dor, sem médicos, sem nada. Como posso ter sido feliz se dormia com um pensamento destes? Nesse momento, insidioso como um ladrão noturno, eu mudei o tom do meu discurso e passei a ser mais incisivo e pessoal: _As pessoas mudam, sim. Você irá mudar muito, Lílian, e, quem sabe, mudar a ponto de amar-me um dia... Ela voltou-se e me olhou como uma criança triste. Pela primeira vez senti suas convicções abaladas. Talvez ela já estivesse mudando as inclinações do seu coração, talvez esperasse um gesto meu, efusivo, arrebatado e capaz de lhe provar a intensidade do meu confesso amor, mas era eu quem não acreditava em mudanças assim tão rápidas e me despedi com esperanças de ver a sua metamorfose consumada em poucos dias e, então, tê-la de corpo e alma. De fato, ao encontrá-la semanas depois, ela estava muito mudada e digo “muito” com um grande pesar, pois ela não só se tornou a Lílian que me amava naquela noite mas continuou a se modificar e já não sentia então por mim nem amor, nem vaidade, nem mesmo a curiosidade habitual... nada! Nada além da profunda indiferença que nutria agora por todos os pretendentes que não fosse Frederico, o seu atual namorado. Assim foi que perdi um grande amor por agir pouco e falar demais. Hoje, muitos anos passados, gostaria de lhe dizer que eu não mudei nada e continuo apaixonado. Gosto de imaginar que ela me amou sob o tênue véu de uma noite. Isso ajuda-me a compor meus poemas afetados
LA VIE EN ROSE - Conto de Fadas na Chapada Diamantina - BILÍNGUE
Por Cassiano Ribeiro Santos
Quarta, 6 de Janeiro de 2010 às 09:58 ·

Corria os últimos anos do século passado, quando viajei sozinho para a Chapada Diamantina e me perdi próximo à cidade de Maracás, em busca de um atalho que abreviasse minha jornada. Era uma noite de luar e o céu do sertão tinha o palor mais comovente que se possa imaginar (penso ter sido por isso que me perdi!). A este teto encantado, somava-se a imagem de vastos roseirais nos dois lados da estrada que iriam fazer a fama do local como o maior produtor de flores do estado. Parei o carro no encostamento e contemplei os vales floridos banhados pela opalina luz do luar. Em segundos, o cheiro da gasolina dissipou-se e um aroma esotérico de rosas virginais fez vacilar meu sentido de realidade. Tranquei o carro e saí andando sem saber direito o que buscar (na hora não acreditaria que algo estivesse me atraindo). Era madrugada e as rosas pareciam infladas pelo orvalho etéreo que a licorosa noite destilava. Segui uma trilha que me levou a um pequeno barraco improvisado nas margens de um murmurante riacho. Certamente era um rancho onde descansavam os cultivadores, pensei. Não havia ninguém dentro dele e fiz meia volta quando ouvi passos suaves sobre a relva. Nossas lanternas mediram forças na escuridão e a minha venceu. Com um cesto e uma vara de pescar, como se saísse de uma dessas gravuras antigas em pousadas do interior, uma jovem tentava me ver por entre o facho ofuscante. Não parecia ter medo, embora eu pudesse ouvir ali perto um coração retumbante. Pedi desculpas e me apresentei. Estava perdido. Queria voltar à BR-242.... Ela, de um modo inexprimível, pareceu não me levar a sério. Mostrou-me sorridente os peixes que pescara e me convidou a entrar. Seus olhos pareciam me conhecer na mais profunda superficialidade que é o meu jeito de ser. Obedeci e logo estava tratando os peixes enquanto ela soprava o fogo enchendo o ar de cintilantes centelhas. Não me recordo de nada que falei durante o jantar, de nada que ouvi, como se feitas de um trauma doce as horas que com ela eu passei. Como um peixe em sua rede, logo eu estava em seus braços no colchão de palha com a pungente sensação de estar, enfim, vivo e acordado, pois nenhum sonho – pelo menos em homens sem imaginação como eu – poderia ser tão intenso e perfeito. Toda a poesia que sei e a veneração que tenho pelas rosas róseas e vermelhas adquiri naquela noite com a doce camponesa enquanto minha alma se perdia nos seus cabelos. Era quase dia, já se pressentia o palor da aurora, quando um sono pesado sobre mim se abateu. Sem ter mais forças para acordar, ouvir ela me dizer com uma voz vinda de outras estrelas:
_ Um mago perverso me aprisionou aqui! Sou mulher à noite, mas durante o dia me transformo em uma rosa entre milhares de rosas neste vale da minha dor. Somente um homem que me ame de verdade saberá me reconhecer entre tantas outras. Se eu for colhida por ele durante os primeiros raios de sol, o encanto será quebrado e para sempre sua serei.
Não dormi, mas devo ter ficado muito tempo imobilizado por um estranho torpor e retinta escuridão. Quando finalmente despertei, o dia despertava comigo e a luz baça da manhã já se espalhava pelo vale. Corri para frente do barraco e descortinei o roseiral sem fim. Preferia morrer a pensar que tudo tinha sido um sonho. vaguei feito um pateta entre as leiras, olhando as rosas uma por uma como se um rosto afogueado de amor pudesse brotar em suas pétalas e devolver a minha feérica camponesa. O primeiro raio do sol projetou-me um coruscante pensamento: "Todas as rosas deveriam estar úmidas do orvalho que caíra durante a madrugada, menos a minha Rosa, de cujo orvalho meus braços a protegeu por toda a noite. Rosa deveria ser a única rosa seca em todo o roseiral". Não revistei muito e logo vi na extremidade de um galho, uma flor enxuta, sem uma única gota nas pétalas, enquanto todas ao redor guardavam o enevoado licor da noite. Estendi o braço e a colhi. O rosto de Rosa me apareceu do tamanho de uma nuvem e seus olhos pareciam chorar todo o orvalho do mundo. Ouvi sua voz inesquecível me dizer: " Você trapaceou! Usou a mente e não o coração! Seu amor é que deveria me reconhecer e não a sua monstruosa lógica!"
Vi tudo escurecer. Acordei suando dentro do carro, no acostamento da estrada, com o ruído de um comboio de caminhões. Acreditei por um instante ter tido um fantástico sonho, mas, ao ligar o carro, percebi que tinha entre meus dedos uma rosa vermelha ainda úmida de dolentes e vaporosas lágrimas! Guardei-a entre as páginas de um volumoso romance de Thomas Hardy, no alto da minha biblioteca. Todos os anos, no dia doze de junho, quando aconteceu esse episódio mágico em minha embotada vida, sento-me em frente ao livro, abro uma garrafa de vinho e bebo o líquido rosáceo sem coragem de abrir as pétalas estioladas de um sonho que dorme no fundo da minha alma solitária.
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