segunda-feira, 12 de março de 2012

LA VIE EN ROSE - Conto de Fadas na Chapada Diamantina - BILÍNGUE
Por Cassiano Ribeiro Santos
Quarta, 6 de Janeiro de 2010 às 09:58 ·

Corria os últimos anos do século passado, quando viajei sozinho para a Chapada Diamantina e me perdi próximo à cidade de Maracás, em busca de um atalho que abreviasse minha jornada. Era uma noite de luar e o céu do sertão tinha o palor mais comovente que se possa imaginar (penso ter sido por isso que me perdi!). A este teto encantado, somava-se a imagem de vastos roseirais nos dois lados da estrada que iriam fazer a fama do local como o maior produtor de flores do estado. Parei o carro no encostamento e contemplei os vales floridos banhados pela opalina luz do luar. Em segundos, o cheiro da gasolina dissipou-se e um aroma esotérico de rosas virginais fez vacilar meu sentido de realidade. Tranquei o carro e saí andando sem saber direito o que buscar (na hora não acreditaria que algo estivesse me atraindo). Era madrugada e as rosas pareciam infladas pelo orvalho etéreo que a licorosa noite destilava. Segui uma trilha que me levou a um pequeno barraco improvisado nas margens de um murmurante riacho. Certamente era um rancho onde descansavam os cultivadores, pensei. Não havia ninguém dentro dele e fiz meia volta quando ouvi passos suaves sobre a relva. Nossas lanternas mediram forças na escuridão e a minha venceu. Com um cesto e uma vara de pescar, como se saísse de uma dessas gravuras antigas em pousadas do interior, uma jovem tentava me ver por entre o facho ofuscante. Não parecia ter medo, embora eu pudesse ouvir ali perto um coração retumbante. Pedi desculpas e me apresentei. Estava perdido. Queria voltar à BR-242.... Ela, de um modo inexprimível, pareceu não me levar a sério. Mostrou-me sorridente os peixes que pescara e me convidou a entrar. Seus olhos pareciam me conhecer na mais profunda superficialidade que é o meu jeito de ser. Obedeci e logo estava tratando os peixes enquanto ela soprava o fogo enchendo o ar de cintilantes centelhas. Não me recordo de nada que falei durante o jantar, de nada que ouvi, como se feitas de um trauma doce as horas que com ela eu passei. Como um peixe em sua rede, logo eu estava em seus braços no colchão de palha com a pungente sensação de estar, enfim, vivo e acordado, pois nenhum sonho – pelo menos em homens sem imaginação como eu – poderia ser tão intenso e perfeito. Toda a poesia que sei e a veneração que tenho pelas rosas róseas e vermelhas adquiri naquela noite com a doce camponesa enquanto minha alma se perdia nos seus cabelos. Era quase dia, já se pressentia o palor da aurora, quando um sono pesado sobre mim se abateu. Sem ter mais forças para acordar, ouvir ela me dizer com uma voz vinda de outras estrelas:
_ Um mago perverso me aprisionou aqui! Sou mulher à noite, mas durante o dia me transformo em uma rosa entre milhares de rosas neste vale da minha dor. Somente um homem que me ame de verdade saberá me reconhecer entre tantas outras. Se eu for colhida por ele durante os primeiros raios de sol, o encanto será quebrado e para sempre sua serei.
Não dormi, mas devo ter ficado muito tempo imobilizado por um estranho torpor e retinta escuridão. Quando finalmente despertei, o dia despertava comigo e a luz baça da manhã já se espalhava pelo vale. Corri para frente do barraco e descortinei o roseiral sem fim. Preferia morrer a pensar que tudo tinha sido um sonho. vaguei feito um pateta entre as leiras, olhando as rosas uma por uma como se um rosto afogueado de amor pudesse brotar em suas pétalas e devolver a minha feérica camponesa. O primeiro raio do sol projetou-me um coruscante pensamento: "Todas as rosas deveriam estar úmidas do orvalho que caíra durante a madrugada, menos a minha Rosa, de cujo orvalho meus braços a protegeu por toda a noite. Rosa deveria ser a única rosa seca em todo o roseiral". Não revistei muito e logo vi na extremidade de um galho, uma flor enxuta, sem uma única gota nas pétalas, enquanto todas ao redor guardavam o enevoado licor da noite. Estendi o braço e a colhi. O rosto de Rosa me apareceu do tamanho de uma nuvem e seus olhos pareciam chorar todo o orvalho do mundo. Ouvi sua voz inesquecível me dizer: " Você trapaceou! Usou a mente e não o coração! Seu amor é que deveria me reconhecer e não a sua monstruosa lógica!"
Vi tudo escurecer. Acordei suando dentro do carro, no acostamento da estrada, com o ruído de um comboio de caminhões. Acreditei por um instante ter tido um fantástico sonho, mas, ao ligar o carro, percebi que tinha entre meus dedos uma rosa vermelha ainda úmida de dolentes e vaporosas lágrimas! Guardei-a entre as páginas de um volumoso romance de Thomas Hardy, no alto da minha biblioteca. Todos os anos, no dia doze de junho, quando aconteceu esse episódio mágico em minha embotada vida, sento-me em frente ao livro, abro uma garrafa de vinho e bebo o líquido rosáceo sem coragem de abrir as pétalas estioladas de um sonho que dorme no fundo da minha alma solitária.

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