quinta-feira, 22 de março de 2012

A Voz da Lua

 Cassiano Ribeiro Santos



Tão diáfano estava o céu que parecia uma invertida taça de cristal. A lua brilhava no meio como uma gota de ouro e um pingo de lua, caindo pela janela, encheu um berço construído por um velho carpinteiro. Quando este acordou para vendê-lo no mercado encontrou dentro do berço uma criança sorrindo e brilhando mais que a lua cheia. A primeira palavra que ela pronunciou fora: lua, lua mas o velho ouvia mal e entendeu: Lia, Lia, e com esse nome foi a menina adotada sem mais rodeios. Os anos passaram e tantas luas brilharam sobre o seu rosto que célebre tornou-se a sua beleza. As meninas da sua idade a evitaram, pois ela ofuscava a todas com o seu semblante prodigioso. Vivia sozinha e sua única companhia era a lua que ela imaginava ser uma deusa; para ela Lia enviava seus inocentes pensamentos pela janela aberta sobre o leito: Você é tão bonita, lua! Tão rodeada de estrelas! Eu não tenho nenhuma amiga para brincar comigo! Será que sou muito feia?... Um espelho! Porque não pensei nisso antes? Eu preciso de um espelho. Pedirei um espelho ao meu pai no dia do meu aniversário. Obrigada, minha amiga, pelo conselhol E dormia com a expectativa de quem em breve desvelaria um segredo. No dia do seu aniversário o pai saíra cedo e só no final da tarde pôde Lia falar com ele:

 ‑ Papai! Hoje é o meu aniversário e eu quero um espelho de presente. Você compra para mim um espelho?‑ Mas o velho carpinteiro, cada dia mais surdo, confundia os seus desejos:
 ‑ Joelho? Você tem joelhos lindos, minha filha!
 - ESPELHO!
 - Artelho? Os teus são perfeitosl ‑ Disse tocando-lhe no calcanhar.
 - ESPELHO! ESPELHO!
 - Um coelho!!! Como é que você adivinhou? Foi justamente um coelho que eu comprei para você no mercado. Que bom que acertei o presente da minha princesa! Leve-o para o seu quarto; vista uma roupa bonita e desça para soprar as velinhas do bolo.
 Uma nuvem escura ofuscava o brilho do seu rosto. Ninguém mais lhe daria presentes. Ela não gostava de coelhos. Tinham orelhas tão ridículas! Só lhe restava agora a sua amiga lua que brilhava no céu redonda e cheia. Lia pulou a janela e saiu em busca da sua amiga levando no rosto o eclipse de uma tristeza. Subiu uma pequena montanha e a lua continuava longe no céu. Subiu a segunda e a terceira; na montanha mais alta Lia se encontrou exausta e sua amiga flutuava distante sobre sua cabeça.

‑ Fale comigo! - Gritou Lia para a lua.
‑ Fale comigo! ‑ Ressoou o eco nas montanhas dormentes.
 ‑ Hoje é o meu aniversário! ‑ Disse Lia.
‑ Hoje é o meu aniversário! ‑ Disse o eco que Lia ouvia como sendo a voz da lua.
‑ Que presente você quer ganhar?
‑ Que presente você quer ganhar?
‑ Um espelho para saber se sou bonita!
‑ Um espelho para saber se sou bonita!

O rosto de Lia, brilhante de alegria, fora minguando pouco a pouco. Onde iria ela encontrar um espelho para a sua amiga? Passou horas procurando na floresta um impossível espelho para a lua! Vencida pelo cansaço ela sentou-se sobre uma pedra e começou a chorar. Chorava em pequenos espasmos com lagrimazinhas correndo no seu rosto de fada. Logo soluçava alto abrindo na clareira um imenso berreiro. As lágrimas jorraram como fontes enchendo córregos e ribeiros. Em breve formou-se em volta de Lia um imenso lago, um mar de lágrimas cuja superfície serena brilhava como um espelho. Em volta do lago, muitas crianças da aldeia, acordadas pelo pranto sem freios, se despiam da inveja mesquinha e emulavam-se de tristeza. No meio refletia-se a imagem de um rosto dourado, modelo perpétuo e inatingível de todas as belezas. Em torno do rosto um enxame de estrelas piscavam, eternas amigas e companheiras! _Como sou bonita! ‑ Exclamou Lia ao ver a imagem do seu rosto. _ Como sou bonita! ‑ Exclamou a lua em um eco gigantesco. Até hoje ninguém sabe se era o rosto de Lia ou a face da lua quem se refletia naquele espelho!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Você poderá ler:

Pesquisar este blog