segunda-feira, 19 de março de 2012

A MÃE DE TODAS AS BATALHAS!


Autor:Cassiano Ribeiro Santos

Proibido de fazer a guerra durante o ano de luto pela morte do seu piedoso pai, o venturoso emir da Pérsia, Al Rashid, contemplava as serenas areias do deserto, símbolo da monotonia e do tédio, quando a brisa, que movimentava a sombra das palmeiras nos telhados de Bassorá, agitou seu espírito com uma luminosa idéia: povoar com cenas de batalhas os dois muros frontais do corredor do palácio e antecipar a visão das ardentes e futuras tardes de guerra. O vizir proclamou em todo o Oriente as regras de um concurso que, para atrair os artistas de intrépido gênio e evitar artesãos aventureiros, prometia ao vencedor um pedaço do reino, escravos e rebanhos de carneiros; aos derrotados, uma fria lâmina separaria do corpo a presunçosa cabeça. Um mês depois, sem saber se houve testes preliminares e sangue derramado, o impetuoso Al Rashid conheceu dois candidatos dispostos a expressar a essência da guerra nas paredes que ligavam seus aposentos ao salão onde reinava: Anáfis, um mouro egípcio de olhos irisados, que afirmava conhecer o segredo de todas as cores; e Efraim, um judeu sefardirta que, exceto na reverência ao emir, permanecia silencioso e aparentemente apreensivo. A cada um fora destinado um dos muros frontais e determinado um prazo comum para a conclusão dos trabalhos. Al Rashid se retira e isola esta parte do palácio. Duas longas cortinas separam os muros da competição e a porfia dos artífices rompe o silencio solene do palácio. Nove semanas depois, precisamente no ramadan, quando o crepúsculo banha de vermelho a fina lua de cimitarra – um fatídico símbolo do fúnebre desfecho – o adorado emir surge no átrio com um séqüito de belas escravas para julgar a excelência dos pintores. As janelas se abrem, os súditos se ajoelham e entre eles está o judeu que implora ser o último a revelar a sua obra. O destemido egípcio desvela as cortinas com um gesto cinematográfico. O mural pintado por ele justificava o estupor e o silêncio que se seguiu diante de imagens tão eloqüentes e copiosas: rubros cavalos, entre nuvens de ouro em pó, conduzindo míticos arqueiros, flechas a brotarem como rosas no peito dos feridos, peleja de espadas, faces extáticas e leopardos dantescos no turbilhão de guerra e areia. A possibilidade quase palpável das figuras retomarem o movimento congelado pela cerimônia inesperada e saltarem assanhados no corredor estreito explicava o frêmito, o medo e a incerteza! Arrebatado pela fantasmagórica beleza, Al Rashid parece desmaiar e pede, quase sem voz, que o judeu revele também o seu afresco.
Corre-se o manto e o que vemos? Um cristalino espelho a cobrir toda a parede refletindo a obra do rival e explicando o ócio de suas tardes! Um murmúrio ressoa pela multidão. O vizir, homem de espírito lógico, comenta com naturalidade a morte de um artista insensato e estrangeiro; um empalhador, íntimo do emir, pede a cabeça da vítima para ornamento no museu, mas o príncipe dos príncipes se mantém em silencio, traçando no corredor reflexivos e vagarosos passeios. Após um longo silencio, deu o seguinte veredicto: _ “ O encanto da sua arte, sublime egípcio, leva-me a crer que todas as batalhas do planeta foram travadas pelo direito de estarem representadas aqui no seu afresco! O arrebatamento que se seguiu a esta cena me fez sentir, nas primícias de um desmaio, minha alma se transportar para a glória deste cenário e agora entendo porque nos tornamos seres alados diante da suprema beleza! Contudo, núbil magistral, o meu coração pressentiu também a tristeza e o temor desta cena talvez nunca ilustrar os meus dias de guerreiro, de ser eu excluído para sempre da essência da guerra e da beleza! Foi este temorque se extinguiu nos passeios que dei entre as duas paredes; compreendi então a sutil intenção do artista Hebreu: encontrei no sólido espelho frontal não somente a duplicação dessa batalha, mas também a doce ilusão de me ver pisar onipotente suas emblemáticas areias. Não podendo guerrear por esses meses, privado de imaginação que sou, posso agora com um pequeno esforço me sentir um verdadeiro guerreiro no seio da mãe de todas as batalhas! ” Voltou-se então para a multidão e concluiu: A VITÓRIA É DO JUDEU!

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