Era um casal que tinha quase tudo para ser feliz: belos, inteligentes, porém não eram ricos, segundo a fórmula do Fitzgerald. Talvez lhes coubesse melhor a fórmula de Edgar Alan Poe, para quem a felicidade exigia outros critérios: ausência de ambição, uma vida ao ar livre e um verdadeiro amor! Também não serve, pois viviam em uma atribulada e poluída cidade. Vamos do meu jeito mesmo: eram dois jovens arrebatadamente apaixonados, e isso basta. Estava na véspera do dia dos namorados e cada um, secretamente, sonhava em dar ao outro um inesquecível presente. Eram pobres, por isso ainda moravam com os pais, e muito jovens para ousarem dar um grande salto de uma casa só deles. Pela manhã, passeando por uma avenida urgente, ela deparou-se com uma relojoaria e viu, na vitrine, uma linda pulseira de prata e aço. Lembrou-se que seu noivo usava um inestimável relógio, presente do seu avô no leito de morte, não o tirando para quase nada; mas a pulseira estava rota e ameaçava romper a qualquer hora. Pensou ter encontrado, enfim, o presente ideal. Pensou também: “tenho que comprá-lo, custe o que custar!”. Do outro lado da cidade – quase no mesmo horário, diria eu, se pudesse consultar seu estimado relógio -, Ele percorria as lojas de um shopping procurando um presente para a sua amada. Viu em uma joalharia um mimoso pente dourado, cravejado de rutilantes e coloridas pedras preciosas. Pensou nos lindos cabelos dela, em como ela amava passar horas no espelho penteando-os. Chegou mesmo a alucinar o pente a se perder nas melenas douradas dela, as pedras coruscando feito amistosas estrelas em u’a manhã em que o sol estivesse se atrasado! “Tenho que comprá-lo! Custe o que custar!” Voltou para casa pensando.
Chegou o dia! Era uma manhã de domingo e ambos acordaram no mesmo horário (agora posso consultar o relógio estimado, conto como no final), sedentos um do outro, como bêbados acordando de ressaca. Se encontraram na porta da igreja, o ofício já começado. Seguravam trêmulos um embrulho pequeno em cada mão. Ele se antecipou e lhe ofereceu sua cavalheiresca prova de amor. Ela abriu o pacote e retirou dele o dourado e precioso pente. Agradeceu com voz embargada, mas seus olhos denunciavam uma tristeza. Ele tremeu de medo em não ter agradado. Ela leu os pensamentos dele e, para não magoá-lo, retirou o lenço que cobria sua cabeça, deixando ver o que restara de suas lindas madeixas... Quase nada!
_ O que houve com seus cabelos?
_Vendi! Vendi para comprar o seu presente! – E assim dizendo estendeu-lhe uma pequena caixa. Antes que ele abrisse e retirasse dali a linda pulseira de aço e prata, ela percebeu que algo no seu pulso faltava.
_ Porque não está usando o seu relógio hoje?
_ Vendi! – Respondeu ele um pouco ruborizado. – Vendi para comprar o seu presente dos namorados!
Ambos se olharam pasmos e atabalhoados. Por alguns segundos apenas. Depois se desmancharam em uma estrondosa gargalhada que penetrou na igreja e fez os anjos sentirem inveja de tão despojada felicidade. Agora posso contar que sei a hora exata em que acordaram, pois fui eu o agiota que lhe comprou o relógio estimado e Silvia Maria Menotti, a quem esse texto é dedicado, foi a cruel cabeleira que passou o fio da tesoura nos dourados cachos!
Cassiano Ribeiro Santos
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