Cassiano Ribeiro Santos
sexta, 22 de Janeiro de 2010 às
10:18 ·
Voltei sonhando à casa da minha infância e contemplei pela
janela do meu quarto o quintal, onde eu brincava de ser adulto e as tardes
brincavam de serem eternas (se um dia descobrirem um parentesco entre os sonhos
e a eternidade, entre a imaginação criadora e a alma do mundo, como pensava
Avicenna, recordaremos, do nosso passado, bem mais os sonhos que aqui tivemos
do que da vida que realmente vivemos). Voltando a fita, eu contemplava o
quintal agora gigantesco, pois, para ali hospedar os sentimentos da infância, a
percepção da época em que os lugares eram enormes fora ativada com certa dose
de exagero. Era grande também a desolação por não haver ninguém ali além de mim
a admirar, feito um Adão pecador, um paraíso perdido e sempiterno. Para meu
grande estupor, ao fitar o céu, vi as nuvens caprichosas, à luz trágica do
poente, encenarem episódios da minha infância que julguei extraviados nas
curvas da memória: em uma longa faixas de cirros dilacerados pelo vento havia
uma criança erguendo pelas patas dianteiras um animado cãozinho – era eu e
duque, meu cachorro que, em lágrimas, um dia enterrei; gordos nimbos no
horizonte tinham a forma de um menino sobre um tonel a rolar em mirabolantes
piruetas e uma nuvem escura no meio do céu, projetando sua sombra no quintal,
era o arquétipo da minha cerejeira em cujos galhos meus dedos inocentes
disputavam com o vento uma pipa ali presa. O movimento das nuvens - presto
andante - surpreendia-me por não desfazer as imagens, mas evoluir-lhas com a
graça de um teatro japonês. Ver o trailer da minha infância comezinha,
projetada nas lâminas hiperbóreas do céu, deu-me a embriagante sensação de DEUS
estar por trás deste sonho, fazendo o back-up da memória e apascentando nos
brancos rebanhos do céu a minh’alma de nefelibata.
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